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O ÚLTIMO DOS MOICANOS©
por Salo Yakir - Abril 2014
O último dos moicanos viu-se envolto em maus lençóis; caiu da cama ao dela descer de pe
esquerdo, viu estrêlas e começou o dia com humor atravessado.  Antes tarde do que
nunca foi para a cozinha, onde botou a mão na massa, mexeu uns ovos e ao preparar o
cafe', tirou a prova dos nove, pois o gás estava nas últimas. A pia, inundada pela água que
tanto pinga até que fura, deixou-o baratinado. Nisto, por ali pintou a gostosa de sua garota,
num tremendo de um sexy beibidol.  Ficou vidrado, de queixo caído e rasgou o maior
elogio pra cima da macaca. Fez das tripas coração para agradá-la ao máximo. Ela era o
máximo. De fechar o comércio.  Como um manteiga derretida,  empolgou-se ao sentir que
recordar é viver, como na última noite que transou com ela.

Naquela manhã tiveram um xilique e resolveram viajar para onde Judas perdeu as botas.
Nos cafundós. Pra lá de Marrakesh. A estrada era de perder de vista,  em um sertão
cerrado, mais feio do que um sunami. Seguiam para o norte, mais para cá do que para lá,
pois o carro, tendo dado o que tinha que dar, viajava a passo de tartaruga. Já estavam de
saco cheio e com o estomago nas costas. Ela, cabeça de vento, mostrava-se mais por fora
do que umbigo de vedete. Ele não tava nem aí. Fumava como uma chaminé e contava os
minutos de cara fechada. Depois de fazer muita onda e grudar-se como carrapato, ela se
pôs a falar pelos cotovelos como uma matraca. Mas ele não tava a fim de dar o braço a
torcer e continuou na dele, fazendo ouvidos moucos .

Pararam numa padaria pra jogar alguma coisa no estômago. Antes, porém, lá foi ela pro
WC, onde deu umas puxadas na erva e botou as tripas de fora. Voltou tinindo. Ao
servirem o rango, foram logo atacando o prato do dia, o pão que o diabo amassou
e o resto da gororoba.

Quando a dolorosa chegou, o cara, como quem não tá nem ai, deu uma de marrudo e partiu
pra  ignorância. Pagando pra vê, botou o garçon pra correr, pois tava duro pacas e, de
quebra, passou a mão na  grana do caixa. Saíram dali numa vula e arrancaram com o
carrão do padeiro, metendo o pé na tábua como se tivessem visto um fantasma.

Alguns quilômetros depois, que pareceu uma eternidade, uma viatura da justa já estava
no encalço dos dois, grudando na rabeira deles e provocando a capotagem do
calhambeque. Cairam fora do veículo na maior corrida  e sentiram-se como que atingidos
pelo vento da desgraça. Antes que pudessem tirar o corpo fora, uma nuvem negra entrou
em baixo astral e quase tapou o sol com a peneira, transformando a tarde em cinzenta
como chumbo. Aproveitando-se do toró, botaram o pé na estrada, certos de que a
esperança é a última que morre.

Mais mortos do que vivos e encharcados até os ossos, agarraram-se num abraço de urso e
se embrenharam no matagal. Estavam no mato sem cachorro com os tiras em seus
calcanhares, mandando chumbo. Sabiam que se ficar o bicho come e se correr o bicho
pega, mas antes da cobra dar o bote manjaram que o importante não era vencer, mas sim
participar; na vida tudo passa
, porém o crime não compensa.

Os últimos serão os primeiros, pois ri melhor quem ri no final; mas não no caso deles, que
tomaram uns balaços no bucho e caíram de bôrco num charco imundo ao lado
da estrada esburacada.

Assim foi o triste fim do parrudo último dos Moicanos e sua gata, que provavelmente
ignoravam o conhecido pensamento do soldado desconhecido, que se tornou um heroi
morto ao deixar dois de seus companheiros covardes, vivos.